terça-feira, 17 de março de 2009
[Watchmen] Diretor, Produtor, Roteiristas e Ilustrador Discutem o Final
ATENÇÃO: O artigo a seguir detalha e comenta o final de Watchmen - O Filme e também o da graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. Leia somente se você já leu a história em quadrinhos e assistiu ao filme.
(o)
Watchmen - O Filme é um projeto polêmico. Ousou adaptar a graphic novel, considerada durante duas décadas inadaptável. Mais do que isso, mudou o final da história, um dos mais memoráveis desfechos de todos os tempos, seja nos quadrinhos, no cinema ou na literatura. Afinal, antes de Watchmen, o consenso da vilania era explicar todos os seus planos aos heróis antes de executá-los, em estúpidos arroubos verborrágicos de megalomania. Adrian Veidt, o Ozymandias mudou tudo com a frase "você realmente acredita que eu explicaria meu plano mestre se houvesse a menor possibilidade de você afetar o desfecho? Eu o realizei 35 minutos atrás".
E que plano é esse? Nos quadrinhos, Adrian Veidt recruta uma equipe de filósofos, poetas, paranormais, artistas, biólogos e cientistas para criar através de engenharia genética um monstro colossal - carinhosamente apelidado de "lula" pelos fãs -, que é teleportado ao coração de Nova York. O stress do teleporte gera uma poderosa onda de choque psíquica na criatura, que dizima metade da cidade. O resultado do ataque, que fica parecendo de origem extraterrestre ou extradimensional, é a união dos povos antagonistas da Terra contra um novo inimigo em comum. Ao sacrificar milhões, Veidt salva bilhões ao alcançar a paz mundial.
No cinema, os roteiristas David Hayter, Alex Tse e o diretor Zack Snyder mudaram o final. A lula deu lugar a uma bomba que emula os poderes quase divinos do Dr. Manhattan. Inadvertidamente, o próprio herói, manipulado por Ozymandias a acreditar que estava desenvolvendo uma fonte de energia limpa e renovável, ajudou a criar a tal bomba, que é teleportada ao coração de Nova York, dizimando metade da cidade. O resultado do ataque, que parece deflagrado por um vingativo Dr. Manhattan, é a união dos povos antagonistas da Terra contra um novo inimigo em comum. Ao sacrificar milhões, Veidt salva bilhões ao alcançar a paz mundial.
Conversamos com todos os envolvidos sobre as mudanças, buscando entender as razões da alteração, que inclusive contou com a ajuda do ilustrador da HQ Dave Gibbons, como ele nos contou em entrevista. "Eu fiz o storyboard dela. Zack queria ver como eu teria desenhado aquela sequência se ela tivesse sido publicada. Então eu fiz alguns cenários e quadros como referência, umas três páginas, como Laurie e Manhattan chegando a Nova York devastada. Gostei bastante de fazê-lo e o resultado no filme ficou muito parecido com o que desenhei". Para Gibbons, a alteração funciona muito bem dentro das necessidades do filme. "As opções de David Hayter transformaram o filme em um todo orgânico e não em uma mera substituição para a criatura extradimensional", diz. "Gostei muito".
Já Zack Snyder lamenta a ausência da lula, mas acredita que removê-la foi um mal necessário. "Eu sou um fã da lula. Eu gosto mesmo. É bacana demais. Mas para introduzi-la teríamos que mostrar muitas tramas paralelas, o que levaria pelo menos 20 minutos, tempo que seria cortado do desenvolvimento de personagens ou outros elementos mais importantes. Então fizemos as alterações, mas ao mesmo tempo muito preocupados com a integridade da mensagem final", conta o diretor.
Para Snyder, já que a ausência da lula era inevitável, tornar o Dr. Manhattan o instrumento da destruição foi uma solução elegante. "Permanece a ideia do inimigo em comum das duas superpotências que estão na iminência de uma guerra nuclear que acabará com o planeta. E esse inimigo sendo Deus me pareceu uma ideia boa demais pra ignorar. 'Deus nos traiu', adoro isso. E também dá um encerramento tão bom para a história do Dr. Manhattan... ele é meu personagem favorito, então minha tendência foi me preocupar um pouco além do que deveria com ele", confessa.
"Em segundo lugar, o mundo de Watchmen é tão envolvente porque é próximo demais do nosso", acredita o roteirista David Hayter. "Há apenas um elemento de magia nele, que é a existência do Dr. Manhattan. Ele é quase onipotente, o que é um elemento central da história. O problema é que, no final da HQ, você é apresentado a um novo elemento mágico, que é a lula interdimensional. Esse elemento requer, mesmo na graphic novel, um enorme esforço de criação: o sequestro do autor de quadrinhos, as pessoas na ilha... ele exige uma enorme trama paralela que contém informação demais para ser absorvida em um filme. Então meu objetivo foi tentar achar uma saída para honrar todos os critérios do final, o mesmo efeito do final da HQ, mas usar elementos que já tinham sido devidamente apresentados previamente", conta sobre o processo.
A produtora Deborah Snyder partilha da opinião da equipe. "O que é o final? O final é a lula ou o final é Adrian Veidt matando milhões para salvar bilhões e o debate se isso é certo ou errado? Para nós, a segunda opção era mais importante - e ela não necessariamente precisa da lula para funcionar", acredita Deborah.
"O resultado do evento que acontece ao final é idêntico ao da graphic novel", garante o roteirista Alex Tse. "Só muda o mecanismo. Veja: Nos dois casos a catástrofe é causada - presumidamente - por uma terceira força, algo assustador e muito poderoso. E a decorrência imediata do ataque é a mesma, a união dos povos do mundo contra essa força", explica.
"Os fãs me malharam meses antes da estreia por mudar o final sem ter visto o que fiz - e não se ligaram que eu fiz o filme , mais do que qualquer outro filme na história foi feito, para eles", continua Snyder. "Eu não mudei o final. Mudei apenas o mecanismo como o final acontece. E posso garantir que a verdadeira luta não foi se deveria haver ou não a lula, mas se Adrian viveria ou não. Essa foi a briga com o estúdio. Eles não achavam que o cara que acabou de matar milhões deveria sair vivo", revelou o diretor. "Ele mudou o mundo, talvez para a melhor, talvez não - e esse é o grande dilema de Watchmen. O estúdio demorou muito pra entender isso, me pediu moralidade melhor definida, ao que eu respondia 'esse é o livro que vocês querem adaptar'. Ele incita o debate", defende-se o diretor.
Produtor da adaptação há uma década, Lloyd Levin respira aliviado ao pensar no que esse final poderia ter sido. "Nesses 20 anos, muitas ideias de finais diferentes foram apresentadas. Alguns tinham viagens no tempo - com Ozymandias impedindo o surgimento do Dr. Manhattan -, outros eram exclusivamente sobre o mistério de quem é o assassino e outros tinham Adrian sendo morto... o que seria ridículo. Tudo o que queremos com o final é a discussão se Adrian estava certo ou errado e matá-lo colocaria um fim nisso", diz.
A substituição da lula pela bomba também exigiu a criação da colaboração entre o Dr. Manhattan e Ozymandias, algo que David Hayter lembra ter apenas desenvolvido. "Quem teve a idea foi Paul Greengrass, que estava no projeto antes de Zack Snyder. Foi ele que parou pra pensar em como a entidade mais poderosa e o homem mais inteligente do planeta deveriam colaborar buscando a solução para o maior problema da humanidade: a criação de uma fonte de energia renovável". A idéia foi incorporada ao novo final, honrando o personagem vivido por Matthew Goode, que era o homem mais poderoso do mundo até o surgimento do Dr. Manhattan, e volta a sê-lo ao usar essa poderosa criatura sobrehumana. "Essa ideia vai ao encontro de uma característica principal do personagem, que é o grande ego, seu desejo narcisístico de ficar acima de todos", explica.
Para Hayter, há ainda outro aspecto crucial na mudança do final, da lula para uma bomba tão poderosa que desintegra a cidade. "O 11 de Setembro aconteceu um dia depois de eu ter assinado o contrato para escrever o filme. Então senti que havia uma diferença enorme entre ver a Times Square devastada com corpos mutilados em 1985 e ver a mesma cena, com atores reais, em um filme, em 2000 e pouco. Espero que algumas pessoas que ainda estão céticas em relação a isso vão ver o filme e possa dizer 'ficou bastante costurado na história e fiel à proposta do final do livro'. Mas eu sei que os puristas jamais aceitarão a ausência da lula. O final que temos funciona de maneira mais amigavel para a história que adaptamos ao cinema. Mas tudo bem, há uma discussão saudável aí... estou muito feliz com o final do filme. Não é vendido de maneira alguma para uma ideia fácil, é apenas mais amarrado com a história que já estávamos desenvolvendo. Ao fazer isso, espero estar honrando o próprio Alan Moore. Também é bom deixar claro que nunca, mas nunca, foi minha intenção mudar o final simplesmente por mudar", conclui, cuidadoso, o roteirista.
Dave Gibbons também se preocupa com as semelhanças filosóficas e visuais entre a obra e o 11 de Setembro. "O 11/9 foi um evento catastrófico real, sim, e uniu temporariamente pessoas de raças e religiões distintas. O problema é que a abordagem oficial foi tão equivocada que acabou tornando as coisas muito piores. Claro, a analogia não é exatamente perfeita - na HQ são duas facções opostas e uma terceira atacante -, mas aquelas cenas de destruição foram estranhamente parecidas com as de Watchmen", acredita. Mas isso quer dizer que o plano de Ozymandias se executado no mundo real não funcionaria? "Essa é a graça da história. E quem sabe se o plano funcionou mesmo na HQ? E se funcionou, será que aquele jornal publicou a história de Rorschach? E se publicou? Alguém acreditará neles? O final é a prova de que não importa o quanto você planeje as coisas, sempre haverá eventos aleatórios inesperados que podem mudar tudo...", instiga o quadrinista.
Seja o gatilho do clímax uma tentacular ameaça interplanetária ou um deus atômico rancoroso, o desfecho da obra funciona da mesma maneira: com uma discussão inteligente sobre consequências, moralidade e poder. E não se esqueça: "O fim está próximo".
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