segunda-feira, 16 de março de 2009
[Watchmen]: Entrevista com o Elenco
Quando o processo de escalação de elenco para os 125 personagens com nome em Watchmen - O Filme começou, o diretor Zack Snyder recorda-se que a Warner Bros. veio com a lista de astros que imaginava para os papéis principais. "É como Hollywood funciona. Eles sempre imaginam astros conhecidos para cada papel. Isso funciona, às vezes. Mas no caso de Watchmen eu tinha idéias bastante particulares sobre o tipo de ator que gostaria que interpretasse cada um desses personagens. No final consegui trazer as pessoas que acho que são perfeitas para o filme - e cada uma delas se importa com os personagens de uma maneira que me surpreende. Fizeram suas lições de casa, os entenderam".
Segundo Snyder, cada um dos integrantes do elenco levou seu trabalho a sério. "Eles racionalizaram cada herói e heroína. Estudaram os personagens e sabiam como eles reagiriam em situações da maneira mais realista possível, mesmo que isso não estivesse na história em quadrinhos". Essa abordagem foi especialmente importante no documentário ficcional que acompanha o filme, Sob a Máscara, parte do DVD dos Contos do Cargueiro Negro, já que exigiu que os atores falassem como se fossem seus personagens sem roteiro.
Ao determinar o tipo de ator que buscava, Snyder começou a convidar algumas pessoas para testes, como Patrick Wilson (Coruja) e Carla Gugino (a primeira Espectral). Outros, como Jackie Earle Haley (Rorschach), submeteram seu interesse e foram aprovados para a seleção de elenco.
DIÁRIO DE RORSCHACH - DIA 1
"O personagem que todo mundo queria ser era Rorschach. Ligavam para nós todos os dias. Atores com 1,80 metros de altura queriam ser ele... e nós pensávamos: 'será que algum desses caras tem idéia de quem é Rorschach?'", lembra a produtora Deborah Snyder, referindo-se ao aspecto físico do personagem: um sujeito feio e baixinho, mas letal. "Mas aí chegou uma fita de Jackie e Zack imediatamente disse que precisava encontrá-lo". A fita em questão foi um teste de cena que Jackie Earle Haley, feio, baixinho mas faixa preta em caratê, criou com a ajuda de alguns amigos que sabem artes marciais. Ele montou uma sequência de luta, para mostrar que ele se sairia bem com a ação. Além disso recriou uma das entrevistas com o psicólogo na prisão para provar que conseguia atuar.
"Eu resolvi fazer isso quando fiquei sabendo que havia uma certa discussão na Internet sobre eu ser perfeito para o papel", explicou Earle Haley. "Isso começou depois de Pecados Íntimos. Eu fiquei intrigado e fui atrás da graphic novel, para descobrir quem era esse tal de Rorschach. Fiquei fascinado. Depois recebi um roteiro de meu agente e preparei aquela fita para mandar aos produtores. E eles ligaram!", comemorou.
Para o ator, o interesse de seus colegas atores e do público em Rorschach tem raízes em seu senso de justiça peculiar. "Vivemos em um mundo complexo, louco, e tentamos o tempo todo torná-lo preto e branco - o que é impossível. Mas essa cara, Rorschach, faz isso. Há algo admirável em seu senso de justiça. Ele não se compromete, vê tudo em termos absolutos. Eu certamente não concordo com seu senso de moral, mas ele é um personagem fascinante. Eu o estudei profundamente... tive longas conversas com Zack sobre ele... entendi esse cara", disse. Mas não saiu ileso da experiência. "No final, sinto que ele me afetou muito mais do que eu o afetei. Me tornei mais pessimista e cínico depois de Rorschach".
O COMEDIANTE: "É TUDO UMA PIADA"
"Minha história não é tão boa quando a de Jackie", brinca Jeffrey Dean Morgan, o Comediante. "Eu estava trabalhando em alguma coisa para a Warner Bros. e me disseram que o diretor de 300, Zack Snyder, estava interessado em meu trabalho. Aí meu agente me mandou o roteiro de Watchmen e eu li. Achei ridículo! Afinal, eu não precisei passar da página três porque o Comediante morria logo no começo... liguei para o meu agente e ele me recomendou que eu continuasse a leitura, ahaha. O fiz e fui bombardeado de informações. Aí fiz um bule de café, li outra vez, e no outro dia me encontrei com Zack".
Dean Morgan, no entanto, lamenta que o Comediante não tenha um passado tão rico na graphic novel quanto o dos outros aventureiros mascarados. "Diferente dos demais personagens, infelizmente não há uma história de origem do Comediante nas páginas de Watchmen, algo que diga como ele entrou para aquele mundo. Então meio que deduzi, com base naquilo que ele se tornou, que ele era um sujeito meio perdido aos 16 anos de idade, que fez uma escolha: ou entrava para o super-heroismo ou acabaria na cadeia. Em sua essência ele não é muito diferente dos criminosos que combate, é um bruto amoral, o anti-herói perfeito".
Curiosamente, Jeffrey Dean Morgan tem uma cicatriz fina no rosto, muito perto do local em que o Comediante tem a sua. E as coincidências vão além: ambas foram obtidas através de uma garrafada. Mas enquanto o Comediante foi ferido depois de um ato de crueldade, Dean Morgan foi cortado ao tentar fazer o bem - ou ao menos o que ele acreditava ser algo bom. Ao ver uma garota apanhando do namorado, ele parou o carro e foi defendê-la. Tirou o sujeito de cima dela e tentou controlá-lo. Até que a moça que apanhava o acertou com uma garrafa quebrada e saiu abraçada com o namorado... "aprendi a não me meter com o que não me diz respeito", comenta.
DOS 25 AOS 67, A PRIMEIRA ESPECTRAL
Carla Gugino não é estreante no mundo das adaptações dos quadrinhos às telas. Ela interpretou a oficial de justiça de Marv em Sin City - Cidade do Pecado. Mas sua experiência não se limita às HQs e certamente transcende as telonas. A mais acostumada a eventos de divulgação do elenco, a atriz era também a mais eloquente do grupo.
Para ela, Watchmen é "o Cidadão Kane das graphic novels". Sua entrada no projeto deu-se a convite de Zack Snyder, que sempre a imaginou no papel de Sally Júpiter, a primeira Espectral. "Meu agente me disse que Zack queria se encontrar comigo, então rapidamente li o roteiro, a graphic novel e viajei até Vancouver. Achei fascinante a ideia de interpretar alguém que vai dos 25 anos aos 67 no mesmo filme. Não é engraçado? Vivo a mãe de Malin Ackerman e eu e ela temos apenas seis anos de diferença", comentou.
Gugino diz que amou interpretar a personagem e que ela foi um dos papéis mais desafiadores de sua carreira, em parte pela maquiagem pesada que ela usou nas cenas com Sally mais velha. "Foi difícil saber até que ponto minhas emoções transpareciam sob tantas camadas de maquiagem, mas a equipe é incrível e a fazia o mais leve possível, sem prejudicar o impacto visual. Sally é incrivel, uma mulher que usa a sua sexualidade como arma dos vinte aos sessenta. Ela domina e entretém qualquer lugar em que esteja com esse jeito, mas de uma maneira um tanto inocente". Inocência que na história lhe rende um momento de pesadelo. "O estupro, porém, é um momento de mudança para ela, quando ela percebe que há consequências para as ações de qualquer um. A cena foi muito bem pensada e brutal, inclusive estendida com uma luta entre ela e o Comediante, para provar que ela era uma super-heroína, mas que o Comediante simplesmente era um combatente superior", explicou.
Outro desafio para a atriz foi seu uniforme de heroína. "Eu acho que os super-heróis sofrem como ninguém a tirania da beleza! As roupas são lindas, mas usá-las chega a doer. Especialmente os corpetes".
ESPECTRAL: HÁBITOS PERIGOSOS
Dona de um sorriso contagiante e uma beleza clássica, Malin Ackerman, a segunda Espectral, partilha das opiniões de sua "mãe" sobre o uso dos uniformes. "Para mim foi como enrolar-me em um elástico gigante. Toda a minha roupa era de látex. E ao me abaixar a pressão em determinadas partes era absurda, então precisaram criar um artifício para aliviar em certas cenas, ahahaha. Mas o visual é lindo!", divertiu-se em lembrar.
A atriz sueca entrou no projeto depois que a diretora de elenco do filme solicitou aos seus agentes um teste em vídeo. "Mandei e fui embora para a Itália, onde eu estava com meu casamento marcado. Na véspera do casamento, porém, meu agente me avisou: Zack Snyder quer falar com você... amanhã! Eu tive que declinar, claro. Era o dia mais importante da minha vida! Então pedi uma semana a mais e, felizmente, nesse período eles não encontraram ninguém. Então pude ir lá, fazer o teste pessoalmente e fiquei com o papel. Só então que comecei a perceber a magnitude do projeto... o tamanho desse projeto e o que ele representa".
Ciente da importância da adaptação, Malin sentiu o peso do trabalho. "Eu senti muita pressão, mas não da equipe. Foi uma pressão autoimposta, pois eu sei da importância que essa graphic novel tem, quantos fãs ela tem e as expectativas sobre ela. Eu nunca havia trabalhado em um projeto como esse, baseado em algo tão querido, então senti essa pressão. Foi um enorme desafio".
Sobre Laurie: "Ela cresceu forçada a seguir os passos de sua mãe. De um lado ela tenta entender quem é como mulher e seu papel no mundo. Por outro lado, desenvolve seu outro lado, o da heroína. Ela tem uma personalidade forte e é uma das personagens que mais sofrem com uma carga emocional, especialmente por ser a única mulher desse grupo de vigilantes homens".
OZYMANDIAS, O HOMEM MAIS INTELIGENTE DO PLANETA
Como seus colegas, Matthew Goode não fazia a menor ideia do que a graphic novel era antes de receber o roteiro. "Eu me lembro claramente da minha reação ao ler o texto que meu agente mandou. Eu estava no banheiro e foi um grande "mas que cacete?!?" - era a história mais estranha que eu tinha lido em toda a minha vida! Mas fiz o teste e eles gostaram, então poucas semanas depois estava em Vancouver, trabalhando!".
O mais brincalhão do elenco, Goode explicou que seu personagem "tem uma natureza dúbia e é totalmente misterioso, apesar de ser uma figura pública conhecida. Demos a ele um sotaque meio alemão, para mostrar sua origem nobre, européia, e brinquei com isso. Quando ele está em público fala mais como um americano. Quando está entre os outros vigilantes mascarados, fala mais como um alemão, quase para se distanciar naturalmente. E sua máxima do 'quanto maior a mentira maior a chance de que mais pessoas acreditem nela' ressoa também bem hoje em dia...", compara, referindo-se ao final da história em quadrinhos e as eleições que deram a segunda presidência a George W. Bush.
Uma cena específica do filme também mostra um lado interessante de Ozymandias, uma sobre o qual Alan Moore deu uma pista nos quadrinhos através de um comentário de Rorschach e que Zack Snyder explorou no filme com sutileza: sua opção sexual. Na sequência em questão, o bilionário e ex-super-herói aparece na porta da lendária casa noturna Studio 54 cumprimentando Ziggy Stardust (a famosa persona de David Bowie) e Mick Jagger. Enquanto diversos jornalistas comentavam na saída da sessão de imprensa do filme o "quão gay" Ozymandias ficou na adaptação, Snyder parece determinado a deixar a dúvida no ar. Seria o herói homossexual ou ícone andrógino? "Eram os anos 70... a androginia estava na moda, Bowie, Andy Warhol, Twiggy... o que Zack tentou aqui foi contratar alguém que não tem o padrão mais masculino de beleza e imaginar que talvez Ozymandias tenha sido a influência principal para esse movimento. E a brincadeira com essa dualidade - será que ele é? - foi estendida também a uma pasta no computador dele que diz 'meninos'. Eu prefiro pensar nele como alguém assexuado. Por ter tanto a fazer, ser o homem mais inteligente do planeta, talvez ele deixasse esse tipo de vontade de lado", sugeriu.
CORUJA: UM HERÓI EM CRISE DE MEIA-IDADE
Quando Zack Snyder chamou Patrick Wilson para conversar sobre o papel de Dan Dreiberg, o Coruja, ele já havia lido o roteiro e a graphic novel. Ele lembra que a primeira coisa que perguntou ao diretor foi: "quanto devo engordar para viver Dan?"
"Aí tivemos uma discussão sobre como o físico dele era uma espécie de metáfora para sua condição psicológica - e ao final, quando ele está de volta à ação, nem parece tão gordo e velho. Então Zack não queria que eu ficasse muito gordo... mas mesmo assim eu engordei uns 9 quilos porque eu quis. Eu precisava sentir uma barriga para o papel", comentou o esbelto Wilson, determinado a parecer mais velho e fisicamente acabado de verdade.
Mas a barriga saliente não parece ter atrapalhado na hora de vestir o uniforme apertado do Coruja. "O uniforme é inacreditável. Mas não é apenas uma questão de vesti-lo. Parte do papel era entender esse figurino, conseguir utilizá-lo de forma realista - e mais importante, conseguir lutar com ele. Não é uma tarefa muito fácil, pois os uniformes tendem a ser um pouco desconfortáveis e rijos. O conforto é diminuído para dar mais espaço ao aspecto fetichista, algo que para o meu personagem é potencializado na cena de sexo. Dá pra entender nela como usar o uniforme não apenas afeta a sensação de poder dele, mas também sua sexualidade".
DR. MANHATTAN: DEUS EXISTE E É AMERICANO
De todos os seus colegas de elenco, Billy Crudup era um dos que tinha uma das tarefas mais dificeis do filme: interpretar um deus em formação - uma entidade que aos poucos se distancia da humanidade enquanto entra em contato com suas próprias impossíveis habilidades.
Mas como se interpreta um Deus? "Não há como pesquisar algo assim, então me concentrei exclusivamente nas necessidades da história e no que estava ali, nas páginas". No entanto, não pude deixar de observar que a impostação vocal que ele encontrou para o Dr. Manhattan me lembrou bastante outro "deus" do cinema, o HAL-9000 de 2001 - Uma Odisséia no Espaço. "É uma analogia muito boa. HAL existe em uma espécie de mundo etéreo, não há uma certeza se ele existe ou não. É o mesmo com Manhattan. Ele tem uma manifestação física mas está em vários lugares ao mesmo tempo, é imbuído de todo aquele poder, é emocionalmente desinteressado e tem seus próprios objetivos, tudo como HAL. É uma voz isolada, solitária - a voz de alguém único", filosofa Crudup sobre o personagem.
Para interpretá-lo, o ator ficou vestido o tempo todo com um macacão com luzes LED azuis, para que elas projetassem sua aura ao redor de maneira natural. Para o restante do elenco era como interpretar ao lado de uma árvore de Natal, mas quando cada pontinho luminoso foi substituído por computação gráfica pelo corpo idealizado da figura quase divina, as piadas cessaram. "Fiquei muito impressionado quando vi pela primeira vez o que o pessoal dos efeitos especiais conseguiu visualmente com o Dr. Manhattan. Foi chocante a quantidade de detalhes faciais meus que apareceram no resultado final. Pequenas manchas, o formato dos ossos... Sem falar no abdômem, que deve ter sido um desafio reproduzir de maneira tão realista, ahahaahaha", brincou. "Foi meio assustador ter a prova do que os efeitos de captura de movimentos conseguem fazer hoje. Logo, logo eles não vão precisar do sujeito intermediário, sabe? O ator!", continou.
Crudup, obviamente, também foi bombardeado pela imprensa de perguntas sobre o pênis do personagem, que aparece praticamente o filme todo. "O público no mundo inteiro ficará surpreso em ver o herói nu - acho que algumas pessoas vão até fingir que aquilo não está acontecendo. Mas a explicação para isso é excelente e óbvia na graphic novel... por que um deus deveria se preocupar com convenções sociais de humanos a quem ele não dá mais a mínima? Fora a questão do suporte, que acho válida e necessária, ele não deveria ligar mesmo". Mas o Dr. Manhattan não controla a gravidade? "Ai caramba... e lá se vai minha teoria do suporte...", completou, contemplativo e bem-humorado o ator.
***
Atores e atrizes competentes, que fogem do conceito superficial das celebridades, o elenco de Watchmen foi formado por profissionais que gostam de desaparecer em seus papéis - artistas que parecem um tanto desconfortáveis no mise en scène da divulgação de blockbusters, mas são capazes de discorrer sobre todos os aspectos do processo de interpretação de seus personagens. Algo de enorme valor em se tratando de criações tão ricas e detalhadas, que habitam o intrincado mundo de uma das maiores e mais inventivas histórias em quadrinhos já concebidas.
Obs: As entrevistas que você acabou de ler foram feitas pelo site Omelete em três momentos distintos: o set de filmagens, a Comic-Con 2008 e logo após a exibição do filme à imprensa, em Los Angeles.
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