sexta-feira, 9 de outubro de 2009
[Especial] Piolhices & Afins: Gizz de Feetal
LOBO PG-13 ??
(Artigo escrito por Rodrigo Monteiro/Omelete)
Setembro foi um mês bastante agitado na indústria dos quadrinhos. Primeiro, a Marvel anunciou sua compra pela Disney; logo depois – e mesmo dizendo que não estava muito preocupada com as atividades da concorrente – a Warner anunciou a criação da DC Entertainment que, até o momento, não disse muito a que veio. Rebaixaram o Paul Levitz, que passou de chefão da editora para consultor e roteirista freelancer o que, para mim, soa muito como um prêmio de consolação. Algo do tipo “você deu seu sangue, tomou algumas decisões arriscadas que, bem ou mal, mudaram a cara da indústria mas, nos últimos anos, a DC anda muito mal das pernas – em termos criativos – e, como a Disney acabou de comprar a Marvel, nós, da Warner, que já estamos comendo muita poeira da concorrente, precisamos de uma notícia quase tão grande quanto essa pra avisar aos investidores e leitores que ainda estamos aqui. Como o setor de gibis da empresa é o que chama menos a atenção – só serve para controlarmos os filmes baseados em quadrinhos que levamos ou não às telas – sinto muito, mas o senhor terá que sair. Em respeito aos seus anos de dedicação, no entanto, criaremos um cargo para que possa continuar trabalhando conosco, como consultor (mas não espere ser consultado em qualquer questão realmente importante). A propósito, chegou aos nossos ouvidos que há décadas você também foi escritor de quadrinhos. Assim sendo, caso o queira, arrumaremos um espaço para que possa voltar a escrever. Quem sabe não lhe damos um título para escrever daqui a algum tempo? Não se magoe, Paul. Você sabe como são as coisas, não é nada pessoal, apenas negócios”.
Paul Levitz se vai e Dan Didio – o cara que conseguiu autorizar Grant Morrisson a matar Bruce Wayne nada menos do que duas vezes no mesmo ano, e que já disse que os boatos sobre a morte do Morcegão são exagerados, preparando a volta dele pro ano que vem – continua. Vai entender....
No entanto, por incrível que pareça, o que mais me chamou a atenção no meio desses grandes acontecimentos foi uma notinha de rodapé que quase passou desapercebida pela maioria das pessoas. O produtor Joel Silver finalmente conseguiu luz verde para levar o caçador de recompensas mais tresloucado, violento, desbocado, sem noção e, por tudo isso, divertido dos quadrinhos da DC para o cinema. Depois de anos na geladeira, Lobo finalmente terá sua chance na tela grande. Aí podemos pensar: legal, depois do banho de água fria que foi Superman - O Retorno – em termos financeiros - seguido do sucesso estrondoso de Batman: O Cavaleiro das Trevas, a DC deve ter aprendido uma lição que a concorrente aprendeu há alguns anos: quanto mais fiel o filme ao material de origem, mais chance de ele obter sucesso nas bilheterias. Watchmen pode ter ido contra essa teoria, em termos mercadológicos, mas ele não conta. É um filme longo, complicado e difícil de ser todo digerido de uma vez só, o que reflete muito a complexidade de seu material original. A minissérie de Alan Moore e Dave Gibbons é uma das obras mais complexas da literatura moderna. A cada leitura, descobrimos coisas escondidas ali que não havíamos notado antes. Acredito que Watchmen (o filme) vai acabar se tornando uma daquelas obras cult, desvalorizadas em sua própria época, mas apreciada e respeitada como deveria em um futuro não muito distante.
De qualquer maneira, voltando ao filme do Lobo, minha empolgação pela chance de ver o Maioral em carne e osso pela segunda vez – a primeira foi no fanfilm Lobo: A Paramilitary Christmas – recebeu dois baldes de água fria logo de cara. O primeiro veio com a declaração de Joel Silver de que o filme teria um roteiro que permitisse uma classificação PG-13, ou seja, um filme que toda a família poderia ver. Isso significa: adeus palavrões (exceto os inventados, como “ranho de Feetal na grelha” e o famoso “Gizz de Feetal”), adeus violência gratuita e sem noção, adeus piadas politicamente incorretas e, finalmente, adeus diversão. E depois veio o anúncio que o superestimado Guy Ritchie – que há anos não faz nada de relevante, exceto ter se casado e se divorciado da Madonna – assumiria a direção. Particularmente, nada contra o sujeito mas, sei lá, esperaria alguém menos badalado pro posto (e que ele cale minha boca com seu Sherlock Holmes). Mas o pior ainda estava por vir e veio quando soltaram uma pré-sinopse do filme e que publicamos aqui no Omelete. Sente o drama: “Na história do filme, Lobo chega à Terra com sua moto atrás de quatro fugitivos, que começam a quebrar tudo por aqui. Para ajudar (ou atrapalhar) em sua caçada, Lobo se alia a uma adolescente de cidadezinha dos EUA”. Lobo e uma adolescente em busca de fugitivos? Se tivesse um “Esse cara casca grossa e muito durão veio à Terra para perseguir uma galerinha do mal e, agora, com a ajuda de uma menina muito esperta, essa dupla do barulho vai se meter nas maiores aventuras e confusões” seria a descrição ideal para um filme (ruim) da Sessão da Tarde.
Não me interpretem erroneamente. Eu nunca diria que um filme do Lobo deveria ser dirigido por um Kenneth Branagh e com protagonistas versados em Shakespeare, claro que não. O problema, puro e simples, é que um filme do Lobo PG-13, sem sangue e violência sem sentido, não é um filme do Lobo. Seria a mesma coisa que... Sei lá, fazer um filme da Mulher-Gato onde a protagonista não se chamasse Selina Kyle, mas Patience Phillips e que, ao invés de ser uma ladra sem poderes com habilidades atléticas extraordinárias, tivesse morrido e sido ressuscitada por um deus gato egípcio que lhe concedesse poderes sobrenaturais ou algo assim. Que os executivos de Hollywood não me ouçam...
Esse assunto já foi discutido em nossa comunidade no Orkut (eles te aceitam desde que seu perfil no Orkut não seja “falso”) e foi dito que um filme do Lobo nessas condições poderia funcionar, já que ambos os filmes que reiniciaram a franquia Batman eram PG-13 e fizeram bastante sucesso, tanto de crítica quanto de público. A comparação, ainda que válida, é descabida. Afinal, as únicas coisas que Lobo e Batman partilham em comum são os fatos de ambos serem personagens de quadrinhos pertencentes à mesma companhia. Qualquer outra semelhança – se é que existe alguma – é pura coincidência.
Batman funciona em um PG-13 pelo fato de ser um dos personagens mais versáteis e tridimensionais dos quadrinhos. Batman possui muitas faces e não falo apenas do fato de possuir uma identidade secreta (Bruce Wayne). Batman funciona em diversos cenários. Ele funciona como um detetive; como espião infiltrado no submundo ou no exército inimigo; como cientista inventando um aparelho que explore as maiores fraquezas de seu inimigo; como uma lenda urbana, protegendo os cidadãos de Gotham de seus insanos vilões; finalmente, Batman funciona no papel do super-herói sem poderes que acaba sendo o fator de desequilíbrio a favor das forças do bem (por mais piegas que essa frase pareça) quando atua ao lado da Liga da Justiça. Escritores como Denny O’Neil, Frank Miller, Mark Waid, Grant Morrison, Chuck Dixon e outros exploraram, com sucesso, cada uma dessas facetas. Por isso, um filme PG-13 do Batman, com violência velada e quase nenhuma gota de sangue na tela, funciona.
O Lobo, por outro lado, é um dos personagens mais unidimensionais dos quadrinhos e, por incrível que pareça, isso é o que o torna mais atraente. Lobo é bastante simples. Ele procura diversão, ainda que seu conceito do que é divertido seja bastante distorcido. Ele quer saber de matar, beber, matar, farrear e matar, não necessariamente nessa ordem. A violência presente em seus gibis é algo quase que invariavelmente divertido. Ela é tão exagerada que não tem nem mesmo aquele fator de risco de as crianças que lêem seus gibis – se é que algum pai em sã consciência deixa seu filho ler um gibi do Lobo – quererem repetir seus feitos. Essa violência tão gráfica e tão sem noção e limites está mais para os desenhos dos Tiny Toons do que pro noticiário local. Por isso é tão divertida, engraçada e, em última instância, escapista. E é isso o que torna Lobo um personagem atraente, ainda que considerado quase cult, dada a falta de atenção que a DC reservou a ele na última década e meia.
Um filme do Lobo só funcionaria se fosse feito respeitando suas origens, ou seja, com um orçamento não tão inchado, protagonistas desconhecidos e uma dose de violência e incorreção política que fizesse qualquer pessoa mais puritana corar. Que fosse um trash movie com todo o charme que eles podem ter. (Por “charme” entenda gore, palavrões e nudez). Mas é claro que a Warner não se arriscaria a produzir algo assim. Afinal o Lobo é um personagem de quadrinhos e todos sabemos que quadrinhos são para crianças.
Um PG-13 do Lobo tem tudo para afundar tanto quanto um Wolverine: Origens. Exceto que, pelo fato de o Lobo ser um ilustre desconhecido, seus resultados nas bilheterias talvez fossem tão inexpressivos quanto o filme da Mulher-Gato que sugeri parágrafos acima.
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